sexta-feira, 29 de maio de 2009

Na Feira do Livro de Gramado

No próximo dia 18/06, começa a Feira do Livro de Gramado, no RS. E a Editora Nova Prova vai estar presente com os lançamentos do ano, inclusive, com Entre Facas. Veja a programação no link.

domingo, 24 de maio de 2009

Dor e Economia

Leia a resenha do livro escrita por Nahima Maciel, publicada no caderno C do Correio Braziliense, em 06/05/2009:

Nahima Maciel

ENTRE FACAS — E MAIS ALGUNS CONTOS
De Liziane Guazina. Nova Prova Editora, 80 páginas. R$ 31. Lançamento hoje, às 19h, no Restaurante Carpe Diem (104 Sul).

Não há texto que não possa ser cortado. Essa ideia é uma obsessão para a autora gaúcha Liziane Guazina. Ela é rápida na escrita, mas lenta no corte. Demora a considerar um texto concluído e só faz isso após eliminar tudo que possa sugerir algum excesso. Dessa prática extraiu o título de seu primeiro livro. Entre facas — e mais alguns contos, que será lançado hoje no Carpe Diem, poderia ter sofrido com os cortes, mas acabou por tirar da fixação uma série de vantagens. “Sou obcecada por escrever e cortar as palavras para tornar o texto o mais essencial possível. Nessa busca me surgiu a imagem da faca como símbolo e fiz a seleção dos textos em cima dessa ideia. São curtos, essenciais e têm relação com a faca”, avisa a autora.
Há ainda uma conexão entre o título do livro e o conteúdo. A violência marca boa parte dos textos, sempre concisos. Tema contemporâneo e repetitivo na literatura brasileira, mas que a autora consegue tratar com embalagem econômica, sem sensacionalismo e sem nunca ser explícita. Se não deixa subentendido, Liziane é seca e enxuta.
No conto que leva o título do livro, uma mulher relembra a mutilação provocada pela própria avó enquanto observa as filhas. Um corte a faca nas costas esconde, na verdade, uma ferida menos sangrenta e mais mortal, o abuso cometido pelo pai, descrito resumidamente em três palavras. “Acho que o grande poder do conto é fazer o leitor pensar sem precisar dizer explicitamente o que se quer dizer, é poder dar múltiplas alternativas. Ao deixar subentendido, a gente diz mais do que se dissesse claramente.”
Também é com parcimônia verbal que o personagem de “As orelhas” decide se automutilar, em texto delicado sobre o envelhecimento. Mesmo quando há alguma verborragia, caso de “Léo e Lia”, ela se apresenta retalhada, como o corpo abatido pela personagem.
O cotidiano e a realidade motivam a ficção da autora. “A gente escreve sobre as coisas que nos incomodam. Esse livro reflete um pouco também minha visão de mundo. Violência e opressão estão sempre presentes na vida da gente, mesmo que a gente não se dê conta. Há várias formas de violência subjacentes à vivência. E o livro tem uma tentativa de tratar com certa delicadeza assuntos mais complicados.”
Radicada em Brasília desde 1993, Liziane recorreu à origem gaúcha para lapidar a escrita. Se diz uma escritora brasileira, mas foi buscar na tradição literária da terra natal os recursos técnicos para a prática.
No Sul, Liziane publicou os primeiros textos nas coletâneas Contos de oficina 29 e Restaurante chinês e outras histórias.
Entre facas já estava pela metade quando Liziane o apresentou ao Programa de Bolsas para Escritores Brasileiros com Obras em Fase de Conclusão da Fundação Biblioteca Nacional, em 2002, e foi contemplada. Para a apresentação gráfica dos contos, convidou as artistas Helena Jansen, responsável pelas ilustrações, e Regina Pessoa. Os desenhos são generosos e aproveitam as narrativas para ser mais que adendos. Em alguns contos, as inserções de Helena Jansen são também personagens, opção que contrasta a delicadeza do traço com a carga dolorida das narrativas.
As Orelhas
Ele ouvira o doutor Dráuzio falar, no Fantástico, que as orelhas crescem conforme os anos avançam. As células continuam se reproduzindo em cartilagens, membranas, peles, apesar - e isto ele sabia bem - de no resto do corpo não haver vontade para tanto. Em particular, para se reproduzir, ironiza, ensaiando um sorriso em frente ao espelho do banheiro. O vapor umedece seus olhos. A espuma de barbear encobre metade do rosto.
Desconfiara. Então as pelancas caem e as orelhas crescem? Nos últimos tempos, percebera uma certa dificuldade para se abaixar, algumas pontadas nas costas impediam movimentos bruscos. Mas ainda caminhava no parque pela manhã e cumpria as funções regulares com a mulher.
No aniversário, ganhara um cartão de presente do neto, com uma foto da família na praia. Custou a se reconhecer naquele sujeito redondo, com uma dobra de carne embaixo do queixo e ar de Papai Noel em fim de Natal, abraçado a uma garrafa de cerveja. Diante de sua incredulidade, o neto abrira um sorriso, como quem diz coitado do vovô.
Mesmo assim, quando acordava, ia ao banheiro na esperança de que o espelho não mentisse. E ele não mentia. Lá estavam os olhos miúdos, a testa sem vincos, os fios retos, indomáveis. Estranho ter-se dado conta apenas agora. O mais nojento de tudo é não avisarem, pensa, enquanto molha a lâmina de barbear no jato de água quente, deixando a espuma perder-se pelo ralo. Um piscar enviesado, um risinho, a fofoca antes de entrar na sala. A mulher, os filhos, os colegas de escritório. Nada.
Às oito em ponto, levantou-se da cama e sentiu o peso indefinido na cabeça. Poderia ser a insônia latejante da noite, as duas garrafas e meia de Cabernet Sauvignon de origem pouco respeitável, o leitão mal digerido do jantar. Cambaleou pelo corredor, buscou o espelho, a testa orgulhosa. Só viu orelhas, duas enormes, abanando-se, risonhas. Trêmulo, iniciou o ritual de barbear-se, fingindo não perceber o inevitável. (continua...)

O processo de produção...

Entre Facas é formado por 22 contos curtos, divididos em três capítulos que remetem a tipos de facas: Canivete, Punhal e Navalha. Alguns contos foram produzidos a partir de exercícios realizados durante oficinas literárias. Outros partiram da experiência diária da autora em cidades em que viveu. Alguns foram publicados na revista eletrônica Bestiário, em sites de literatura, ou em coletâneas de vários autores. Os contos "As Orelhas" e "Léo e Lia" foram finalistas de concursos em Porto Alegre (pela Editora Nova Prova) e Caxias do Sul (Prefeitura Municipal).
A maior parte dos contos foi escrita durante o ano de 2002. O livro foi contemplado com o Programa de Bolsas para Escritores Brasileiros com obras em fase de conclusão da Fundação Biblioteca Nacional também neste ano, quando estava 50% pronto. Foi finalizado e entregue no prazo. Mas o processo de edição dos contos continuou, durando entre 2003, 2004 e 2005. Em 2008, todos os contos foram revisados e chegou-se ao formato publicado. A fase de escrever e organizar durou pouco. Mas a ediçao final só veio muito tempo depois...
Leia um trecho do conto As Orelhas, que faz parte do livro no post acima.

Um livro só lâmina

Leia a apresentação de Entre Facas no site do escritor Sergio Capparelli.http://amaisnaopoder.com.br/