domingo, 24 de maio de 2009

Dor e Economia

Leia a resenha do livro escrita por Nahima Maciel, publicada no caderno C do Correio Braziliense, em 06/05/2009:

Nahima Maciel

ENTRE FACAS — E MAIS ALGUNS CONTOS
De Liziane Guazina. Nova Prova Editora, 80 páginas. R$ 31. Lançamento hoje, às 19h, no Restaurante Carpe Diem (104 Sul).

Não há texto que não possa ser cortado. Essa ideia é uma obsessão para a autora gaúcha Liziane Guazina. Ela é rápida na escrita, mas lenta no corte. Demora a considerar um texto concluído e só faz isso após eliminar tudo que possa sugerir algum excesso. Dessa prática extraiu o título de seu primeiro livro. Entre facas — e mais alguns contos, que será lançado hoje no Carpe Diem, poderia ter sofrido com os cortes, mas acabou por tirar da fixação uma série de vantagens. “Sou obcecada por escrever e cortar as palavras para tornar o texto o mais essencial possível. Nessa busca me surgiu a imagem da faca como símbolo e fiz a seleção dos textos em cima dessa ideia. São curtos, essenciais e têm relação com a faca”, avisa a autora.
Há ainda uma conexão entre o título do livro e o conteúdo. A violência marca boa parte dos textos, sempre concisos. Tema contemporâneo e repetitivo na literatura brasileira, mas que a autora consegue tratar com embalagem econômica, sem sensacionalismo e sem nunca ser explícita. Se não deixa subentendido, Liziane é seca e enxuta.
No conto que leva o título do livro, uma mulher relembra a mutilação provocada pela própria avó enquanto observa as filhas. Um corte a faca nas costas esconde, na verdade, uma ferida menos sangrenta e mais mortal, o abuso cometido pelo pai, descrito resumidamente em três palavras. “Acho que o grande poder do conto é fazer o leitor pensar sem precisar dizer explicitamente o que se quer dizer, é poder dar múltiplas alternativas. Ao deixar subentendido, a gente diz mais do que se dissesse claramente.”
Também é com parcimônia verbal que o personagem de “As orelhas” decide se automutilar, em texto delicado sobre o envelhecimento. Mesmo quando há alguma verborragia, caso de “Léo e Lia”, ela se apresenta retalhada, como o corpo abatido pela personagem.
O cotidiano e a realidade motivam a ficção da autora. “A gente escreve sobre as coisas que nos incomodam. Esse livro reflete um pouco também minha visão de mundo. Violência e opressão estão sempre presentes na vida da gente, mesmo que a gente não se dê conta. Há várias formas de violência subjacentes à vivência. E o livro tem uma tentativa de tratar com certa delicadeza assuntos mais complicados.”
Radicada em Brasília desde 1993, Liziane recorreu à origem gaúcha para lapidar a escrita. Se diz uma escritora brasileira, mas foi buscar na tradição literária da terra natal os recursos técnicos para a prática.
No Sul, Liziane publicou os primeiros textos nas coletâneas Contos de oficina 29 e Restaurante chinês e outras histórias.
Entre facas já estava pela metade quando Liziane o apresentou ao Programa de Bolsas para Escritores Brasileiros com Obras em Fase de Conclusão da Fundação Biblioteca Nacional, em 2002, e foi contemplada. Para a apresentação gráfica dos contos, convidou as artistas Helena Jansen, responsável pelas ilustrações, e Regina Pessoa. Os desenhos são generosos e aproveitam as narrativas para ser mais que adendos. Em alguns contos, as inserções de Helena Jansen são também personagens, opção que contrasta a delicadeza do traço com a carga dolorida das narrativas.

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